No jornal Metro desta segunda-feira, 07/01/13, edição de Curitiba, na entrevista com Antônio Cícero, autor do livro "Poesia e filosofia", uma frase em destaque: "POESIA NÃO VENDE".
Na condição de leitor atento ao mercado editorial, permito-me ampliar o alcance dessa constatação: "LITERATURA DE QUALIDADE NÃO VENDE".
Ora, editoras são empresas com quaisquer outras, visam o lucro. Não são instituições de caridade que tenham por objetivo dar sustento a autores que gostariam de vender milhões de exemplares de sua última "obra-prima". E assim é, não apenas na literatura, mas também no cinema, na TV, na música. O popular e o bom não são sinônimos... ou são? O que é uma boa literatura? O que é um bom filme? Ou uma boa música? Seria arrogância dos críticos classificar um livro que vende milhões como algo ruim por não apresentar um estilo narrativo sofisticado? Algo que vende milhões, agrada milhões. Qualidade seria, por outro lado, agradar um número grande de consumidores? E se desagrada a "elite intelectual", os críticos, deixa de ser bom, apesar de popular? Não ouso entrar nessa discussão, que considero meramente conceitual. Afinal, trata-se, no fundo, de se chegar a um acordo sobre qual o conceito de "bom", qual o conceito de "qualidade".
Mas digamos que, por ser arte, a literatura tenha sua qualidade vinculada à estética, ou seja, o bom é o belo. Novamente caimos num problema. A estética é cultural, é ensinada ao indivíduo e não é intrínseca ao objeto da análise. A moda é o exemplo mais fácil a ilustrar isso. O que foi belo um dia, soa ridículo hoje. Eu não teria coragem de sair na rua, em 2013, com um paletó com ombreiras, bigode estilo Chaplin ou costeletas estilo D. Pedro I. Mas tudo isso teve o seu tempo. Tiremos as roupas para outro exemplo de estética temporal. As musas da década de 50 tinham carnes e curvas voluptuosas que hoje são taxadas de gordura localizada a ser extirpada na faca, para desespero das gostosonas e delírio dos cirurgiões plásticos.
Expostos os motivos pelos quais não quero questionar aqui o que é belo ou de qualidade, para que possamos prosseguir, vamos utilizar o seguinte conceito: tem qualidade aquilo que é reconhecido como bom pelos críticos literários.
Quase todos os maiores bestsellers da história são considerados ruins pela crítica, apesar de venderem "horrores". Ao mesmo tempo, obras reconhecidas como geniais vendem pouco. Nesse último caso, misturam-se grandes clássicos da literatura e livros excelentes de autores modernos. A explicação para isso é quase óbvia. A boa literatura é, muitas vezes, densa, pesada, complexa, longa, se esparrama por mais de quinhentas páginas e leva meses para ser lida de forma atenta e dedicada. Há outros casos em que a boa literatura é curta, aparentemente fácil, mas que passa ao leitor menos experiente uma falsa sensação de superficialidade e a obra acaba incompreendida. Deparei-me com dois exemplos recentes: Cândido, de Voltaire, e Satiricon, de Petrônio.
Eu sou leitor, logo tudo isso não me atinge. No máximo me fornece subsídio para elocubrações como esta aqui. Mas e o pobre bom escritor que se frusta a cada retorno negativo da leitura de seus originais pelas editoras? As grandes só publicam o que pode virar bestseller. As pequenas, "independentes", criteriosas, ao ver um bom texto, publicam-no, mas essas não conseguem uma ampla distribuição. Seus livros ocupam as estantes invisíveis das pequenas e moribundas livrarias de bairro, tal qual aquela da Meg Ryan em "Mensagem para você". Por fim, ainda que, por algum acidente, um leitor desavisado chegue a folhear aquela obra fantástica da qual estamos falando, ao ler algumas linhas e não entender a profundidade do conteúdo, devolve o incompreensível à prateleira e pega, por indicação de um amigo, ou da mídia, o bestseller em destaque numa pilha exclusiva no meio da loja.
Nosso escritor, assim, não é publicado... ou, se é publicado, não é distribuído... ou, se é distribuído, não é vendido... em todo caso, não é lido.
Uma escritora amiga, ao ler "Se um viajante numa noite de inverno", de Ítalo Calvino (resenhado neste blog), teve a seguinte idéia. Que tal acrescentar ao original de seu bom livro (aquele com qualidade, ou seja, impopular por natureza) uns capítulos no início tratando de autoajuda, pornô para mamães, esoterismo, fórmulas para ficar rico ou outro assunto igualmente popular? Os editores, entulhados de originais a eles enviados diariamente, ao ler o início e ver que se trata de algo vendável, aceitarão o livro sem chegar ao início propriamente dito (aquele do livro de verdade, que só começa lá pela página 50) e o mandarão imediatamente à prensa. Que tal incluir algo do gênero também ao final, caso o editor resolva folhear de trás para frente? Pronto! O livro disfarçado de bestseller em potencial iria, finalmente, ocupar os melhores lugares das melhores livrarias dos melhores shoppings e aeroportos, fazendo a fortuna da minha amiga escritora. Nesse caso, podemos até dizer que os leitores estariam, então, levando não gato por lebre, mas lebre por gato.
Taí um expediente a ser testado...
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