domingo, 14 de outubro de 2012

Área reservada para amantes



Sou fumante ocasional e não sofro tanto com isso, mas juro que morro de pena de quem passa a noite toda do lado de fora da boate, apesar de ter pago o mesmo valor no ingresso, porque não consegue ficar mais do que 2 minutos sem um cigarro na boca.
O terrorismo anti-tabagista chega às raias do absurdo. Antes que me chamem de xiita, quero deixar claro que concordo que quem não gosta de cigarro não deve ser obrigado a respirar sua fumaça. Para isso uma boa área reservada para fumantes, completamente isolada, já resolveria o problema e permitiria um tratamento humano aos seres humanos viciados no tabaco.
Mas estou fugindo do assunto.
Não vim aqui falar de cigarros, mas sim de amor!


O amor é prejudicial à saúde, o amor pode levar à morte. Não estou exagerando e nem sendo metafórico. Aqui cabe uma explicação: falo do amor-paixão-romântico. Amar os filhos, os pais, os amigos, isso não faz mal. O que faz mal é aquele amor romântico sob o nome do qual tiros foram desferidos, pessoas pularam de janelas e pontes, outras tantas penduraram-se pelo pescoço em cordas ou jogaram-se na frente de automóveis em movimento, ou, sendo menos dramático, apenas entraram em depressão profunda e viciaram-se no álcool ou em tarjas pretas.
Há algum tempo já me convenci que esse negócio de que somos “metades” humanas que só se tornam plenas após encontrar a outra banda da laranja, o outro par do sapato ou a tampa da sua panela, é cultural, é ensinado, faz parte de um aprendizado social. Há sociedades onde ninguém é de ninguém ou todos são de todos (e não estou falando das “sociedades hippies”). A monogamia (e a monoandria) é, de fato, adotada por menos de 20% das sociedades conhecidas. Em termos populacionais a monogamia é o que domina, mas a existência de tantas sociedades menores que ignoram a exclusividade de parceiros, e o fato de que essas sociedades são, na maior parte das vezes, primitivas, nos levam a deduzir que o homem é naturalmente promíscuo. Quem tiver curiosidade sobre o assunto, leia “A Cama na Varanda” da Regina Navarro Lins. Lá há uma extensa bibliografia sobre o assunto.
Mas estou novamente fugindo do assunto. Vim falar não da monogamia, mas especificamente sobre o amor romântico como algo não necessariamente bom.
Uma pessoa apaixonada é um ser bastante perigoso. Ele pode matar ou morrer por isso, literalmente.
Outro dia tive a curiosidade de pesquisar a palavra “suicídio” no Google. A esmagadora maioria dos casos listados foi provocada por desilusões amorosas: amores não correspondidos, pessoas que perderam cônjuges, noivos ou namorados, ou a simples ausência de um amor.
Para saber mais dos crimes de amor, pode-se recorrer aos jornais sanguinários. Toda metrópole tem um. O crime passional ocorre quando o sujeito não tem coragem de atirar contra o próprio peito, aponta o revólver para o outro lado e dispara contra a pessoa “amada” (se isso é amor, por favor, não me amem!).
Às vezes os flechados pelo cupido fazem coisas mais absurdas como, por exemplo, fundar uma religião. Assim foi o rei Henrique VIII, que rompeu com Roma e fundou a Igreja Anglicana só para obter a benção divina e casar-se com Ana Bolena. Ela devia ser, com o perdão do trocadilho,  “realmente” gostosa, uma verdadeira “princesa”.
Há coisas menores e sem qualquer importância histórica, como mudar de emprego (para um pior) ou afastar-se da família sanguínea e dos amigos para ficar junto da pessoa amada, brigar com a mãe porque esta não se bica com a nora, ou com o pai se este não vai com a cara do genro, abandonar tudo e todos, como prova de amor.
E há uma outra coisa bem grave: a anulação do “eu” em prol do “outro”. Os barbudos que abandonam a potencial ilustre carreira no futebol (apenas a carreira no âmbito do clube da esquina, é claro), os motoclubes (fui um deles), a turma da sinuca, a banda de rock. As mulheres que abdicam da companhia das amigas ou … (não sei o que as mulheres fazem quando estão em bando, fora das nossas vistas, então deixo as reticências).
Enfim, passa-se a viver em função do outro. Isso costuma fazer mal à saúde. Mesmo que, sob uma invejável resignação, tolerância e força de vontade, os casais consigam comemorar as bodas de prata, ouro, diamante ou sei lá que outra preciosidade, provavelmente acumularam tanta angústia e rancor em seus corações, que só mesmo aumentando a frequência das sessões com o psiquiatra para renovar a receita do remedinho. Toda regra tem exceção. Refiro-me à regra.
Todos essas doenças transmitidas pela flecha do cupido (deveriam inventar camisinha para a flecha do anjinho pernicioso), foram exaustivamente retratadas por tantos escritores e por outro anjo, o pornográfico, Nelson Rodrigues.
Você deve estar se perguntando por que diabos eu começo falando de cigarros e depois só falo de amor, amor e amor. Explico: é que deveriam fazer com o amor o que fizeram com o cigarro.
Se o amor faz mal à saúde, se o amor pode levar à morte, o Ministério da Saúde deveria advertir as pessoas quanto aos seus males, assim como as adverte quanto ao cigarro (que nem sei se mata mais que o amor).
Deveria vir na embalagem do amor, se este tivesse embalagem, alertas como “Evite amar na frente das crianças”, “Esse produto (o amor) contém trocentas substâncias tóxicas”, “Amar pode levar à morte”, “Amar causa impotência” (eu trocaria esse maço por um que provoque câncer), entre outros. As mensagens poderiam vir acompanhadas de fotos de corpos após o suicídio amoroso, rostos deformados por surras nascidas do ciúme, vítimas de crimes passionais, fetos abortados após relações sexuais irresponsáveis praticadas sob o efeito da paixão desenfreada, mendigos que já foram bons de vida mas se tornaram alcoólatras após uma desilusão amorosa. Tantas são as opções de boas fotos que mostrariam os efeitos nocivos do amor e desestimulariam a entrada nesse vício.
Mas amor não tem embalagem, não é vendido em banca de jornal e nem em posto de gasolina (vende-se amor nas esquinas e em certas casas de tolerância, mas não é nesse sentido que estou falando). O poder público teria, portanto, que lançar mão de outras estratégias.
Deveria ser proibida a publicidade do amor. Nada de beijos ou afetos em outdoors ou propagandas na TV, no rádio ou em revistas. Nenhuma cena que estimule o amor seria permitida nos filmes ou nas novelas. Ora, se capas de LPs e até filmes antigos foram editados para que cigarros pudessem desaparecer digitalmente, por que não disfarçar ou excluir as cenas de amor? Claro que alguns longas-metragens virariam curtas e perderiam todo o sentido, como “9 ½ Semanas de Amor” (argh!). Outros ficariam esquisitíssimos ou perderiam a graça, como “O Último Tango em Paris”, “O Império dos Sentidos” ou “Calígula”. Mas seria necessário para evitar que o mal se alastre.
O “Fantástico”, aquele programa que já foi bom e não é mais, poderia lançar um quadro no estilo “Medida Certa”. Os apresentadores se submeteriam a um processo intensivo de desintoxicação amorosa, e, ao final, percorreriam o Brasil pregando os benefícios de uma vida sem amor, mais saudável, sem brigas por ciúmes, sem depressão amorosa, sem problemas de auto-estima e sem crimes passionais.


As administrações municipais poderiam proibir o amor em locais públicos, como supermercados e shopping centers (onde os adolescentes se amam muito, por sinal). Placas de “É Proibido Amar”, com a imagem de um casal ou de um coração sob uma faixa oblíqua vermelha, alertaria quanto à proibição. Abaixo, em letras miúdas, o número da lei.
Menores de idade seriam presos se fossem pegos amando-se. O primeiro selinho só seria permitido aos dezoito. Depois disso,  manifestações amorosas estariam autorizadas, mas em casa, na intimidade do quarto do casal, de portas fechadas para não estimular as crianças que brincam na sala.
Os bares, restaurantes e boates, por fim, criariam “áreas reservadas para amantes”, para onde os viciados no amor seriam deportados, faça chuva ou faça sol, no frio ou no calor, e lá ficariam isolados e aglomerados, amando-se, longe da vista dos que não amam. É para onde eu iria, sem dúvida; eu e minha amada. E nos amaríamos a noite toda, nos intoxicaríamos com a fumaça do amor e morreríamos mais cedo, alguns minutos a menos de vida a cada beijo, mas morreríamos felizes.