sexta-feira, 19 de junho de 2015

Tô chegando!


Ah! Que saudade de ti
minha dama fiel
que a ninguém permite que se acoste
exceto eu
que a ninguém permite que se enrosque
minha linda
que no meu quarto
me espera
não importa por onde eu ande
não importa aonde eu vá
espera a minha volta
sempre pronta
pernas firmes
ancas largas
onde caibo inteiro
e me deito
e adormeço
e sonho
e quando longe contigo sonho
e te desejo
e ao chegar te vejo
em brancos cetins
ou algodão ou afins
me atiro sobre ti
minha deusa
e peço que me abrace
e me aqueça
e me descanse
e me afogue
em teus lençois
até de manhã!

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Olhar


Aqueles olhos fugidios... tão fácil e tão difícil olhá-los.
Correm como crianças tímidas, voam como pássaros selvagens, fogem como o tempo.
Oferecem seu flanco, dão as costas, não se entregam.
O tímido olhar sobre o novo. O novo que, por ser novo, é tudo. É euforia, é alegria, é prazer, mas não é amor.
O sinal do amor está no olhar. Na capacidade de fixar o olhar no outro, sem o desejo de desviar, sem a necessidade da fuga. No desejo e na possibilidade de calmamente e pacientemente apreciar o olhar do outro, sem pressa, num diálogo lento, profundo, sereno e furiosamente silencioso.
Movimento apenas o suficiente para ir de um olho ao outro. Não há fuga nem para os lados, nem para dentro. Não há esquiva nem medo.
As pupilas dilatadas invadindo a íris, tomando conta, na expansão que visa captar tudo, cada cor e cada ponto do outro.
Olhar que olha, que lambe, que cheira, que fala, ouve e ama.
No rosto, apenas um sorriso sutil, velado... ou não, um sorriso escancarado, mas apenas um sorriso.
O silêncio deve ser mantido, pois os olhos pedem atenção e concentração. Nenhuma energia deve ser desperdiçada em qualquer outro sentido. Nenhuma perturbação é tolerada.
O olhar é o único leito por onde escoar.
Como o olhar do náufrago para a ilha no horizonte.
Como o olhar do crente aos céus.
Como o olhar da mãe para o bebê que dorme.
Como o olhar da criança para o brinquedo predileto.
Como o olhar do cão para o seu dono.
Como o olhar do filho para o pai que chega.
Como o olhar para alguém querido no leito de morte.
Como os olhares que substituem os corpos, no pesadelo refrigerado de Henry Miller.
Como o olhar de Maria de Magdala para Jesus, no evangelho segundo Saramago.
Como o olhar cinquentenario e incansável de Florentino Ariza para Fermina Daza.
O verdadeiro amor só se manifesta por esse meio.
Abraços, carícias, beijos, nada disso realmente importa. São acessórios, coadjuvantes de algo maior. Por si só não amam, e o amor independe deles.
Porém, não se prescinde do olhar.
Porque é o único caminho para o outro, a única porta de entrada, a única estrada, a ponte sobre o fosso, a passagem na muralha, a barca de Caronte, o único caminho possível, o leito natural do rio, a trajetória implacável do raio, o caminho suave e lento da gota de orvalho.
Porque o amor está no intangível, no inexplicável e no indescritível. Não se pode percebê-lo, não se pode tocá-lo, não se pode sentir seu gosto, não se pode cheirá-lo, apenas sentí-lo através do olhar.
A textura, a temperatura, o gosto, o cheiro, tudo isso que se toca, se lambe e se cheira é apenas corpo, pó em forma de vida. O contato com a alma é etéreo. A alma não se toca, nem sequer se vê ou se enxerga, apenas se olha.
E o olhar do amor são dois olhares. Não se olha sozinho. É preciso um olhar no olhar do outro. São duas janelas abertas para que corra o vento, para que se olhe através da carne e se perceba a essência e a verdade.
Se você consegue olhar assim, se você realmente se sente conectado assim, se o outro também o olha, e os olhos se perseguem e não se esquivam, e se um sorriso acompanha esse olhar, e se uma paz nesse momento desce como um manto e dá abrigo a esse olhar mútuo, recíproco, cúmplice, se tudo isso acontece assim, desse jeito, então aconteceu o amor.



segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Jornada mágica

O amanhecer preguiçoso, feliz, com o passado ali presente,
O jazz que anunciava o que vinha, um presságio,
Bukowski vestindo uma estante da cabeça aos pés,
A vida simples falando de coragem, de livros, de perdão e de alimento,
A música nas ruas,
As pessoas, vivas, nas ruas,
Todas as cores e credos nas ruas,
O festival de rock, tão cheio de diversidade,
O solo inesperado numa bateria no primeiro andar de um hospital em ruínas, e a gostosa sensação de tocar onde menos se espera,
O cachorro quente que foi um delicioso almoço,
O sol escaldante que atravessou obstáculos e me alcançou por uma fresta,
E eu rindo do desejo de alguém pela chuva,
Aqueles olhos da cor do céu e do mar, do horizonte, olhos em preto e branco iluminados pelo sol,
Aquela beleza ruiva que irradia e contamina tudo,
E tudo em volta então é belo, o belo e o feio.
O "eu te amo, estou com saudades" da filha amada,
O simples flanar na companhia certa,
A escada para o céu,
A lembrança da peça encenada entre os mortos na noite anterior, assistida entre vivos queridos de longas datas,
E sentindo-me tão vivo,
E a peça era sobre outra jornada, tão triste e ao mesmo tempo tão bela,
E o filme sensacional que me marcou para sempre,
A história da busca, das escolhas,
Assistido onde deveria mesmo ter sido, na rua da diversidade, da juventude, dos contrastes, dos estudantes, dos bêbados, dos loucos e de qualquer um e de todos, a velha Augusta,
O encontro com Saramago, Wilde, Gorki e Baudelaire nos sebos de calçada, e o convite aceito de que viessem na minha mala, junto com Kubrick.
Aquele cheiro inebriante sempre presente,
Aquele riso tímido sempre presente,
Aquele olhar furtivo sempre presente,
Um dia de música, de paz, de surpresas, de felicidade, de gozo.
Peace, love, joy, como aprendi em San Francisco.
A companhia perfeita, um espírito distante que se materializava tão real e presente,
Em paralelo, a leitura do pesadelo refrigerado de Henry Miller, transportando-me por outra estrada, por outra jornada,
E aqui um dia memorável, uma jornada inesquecível, une journée magique, nem Ulysses a teve, nem a de Harry Haller foi tão louca,
Um tal estado de elevação que nem o deserto de Rimbaud e nem a floresta de Sidartha ocasionariam,
Bukowski sairia daquela estante e o curtiria,
Kubrick sairia da mochila e o filmaria,
Baudelaire, extasiado, comporia versos,
Um dia que não terminou,
e nem nunca terminará,
Um passado que permanece e se estende ao futuro.
...
O tempo enlouquece.
A ampulheta cai e a areia, sem saber para que lado ir, não vai a lugar algum, baixa os olhos e se dá por vencida, talvez ela mesma cansada de tanto correr e escorrer.
Às vezes o tempo pára, na sua frente, te olha, sorrindo para você, te acaricia o rosto, te beija, te afaga e te diz: "não se preocupe... estou aqui... não vou embora... durma e sonhe!"


terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Se eu fechar os olhos.


E se eu fechasse os olhos?
O teto do meu quarto poderia ser o teto do teu quarto.
O lençol embaixo do meu corpo poderia ser o teu lençol.
Ao meu lado poderia estar, se bem imaginado, tu, dormindo.
E não de fato, mas de imaginação, eu estaria não aqui, mas aí. Aí mesmo onde eu gostaria e por isso imaginaria estar.
Basta fechar os olhos.
E tu não estarias aí, mas aqui.
Tu estarias comigo, e não com... não sei quem.
Basta imaginar que nada acabou. Que ainda te tenho. Que ainda me tens. E que ainda é a primavera do ano passado. E que o amor passado é amor presente.
Basta fechar os olhos e o coração se cura, se alegra. 

Basta fechar os olhos...