segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Jack London - O chamado da floresta.

Eu näo conhecia Jack London e, portanto, não conhecia “O chamado da floresta”. Comprei o livro após uma rápida garimpada na estante da L&PM de uma livraria de aeroporto (um dos poucos lugares onde achar bons livros nessas livrarias). O objetivo era apenas adquirir algo com que se distrair por algumas horas. E tive uma grande surpresa.
Como estava adorando o livro desde suas primeiras páginas, busquei na internet algumas referências e descobri que o livro figurava em algumas listas dos melhores romances do século XX, e que Jack London era um romancista bem conceituado. E não é sem motivo.
“O chamado da floresta” é um livro curto, de apenas 137 páginas nessa edição de bolso. Traz uma história muito bem escrita sobre um cão que é raptado e vendido para exploradores do Alaska. Forçado a trabalhar como cão de trenó, Buck, mestiço de um São Bernardo com uma pastora Shetland, era um cão robusto, porém manso, que aos poucos, por necessidade, desenvolve seus instintos mais selvagens, como única forma de sobreviver aos rigores de sua nova vida.
London nos mostra que cães e homens são capazes de extrair de si próprios forças e habilidades que em condições normais nunca se mostrariam. É a história da superação do indivíduo, humano ou canídeo, quando submetido a uma terra sem lei, no estado de natureza (nos dois sentidos da expressão). É um típico romance de aventura, recheado de elementos de tensão, violência, mas também companheirismo, determinação e afeto. Como era de se esperar, toca na questão da relação entre homens e cães, às vezes de submissão, às vezes de exploração, às vezes de amor incondicional. Fala do bem e do mal, do justo e do injusto. É um livro que toca o coração não apenas de quem gosta de cães, mas também de quem nunca teve ou quis ter um em casa.
Quem o ler, perceberá quão tênue é a fronteira entre a vida selvagem e a nossa vida “civilizada”.
De leitura fácil e agradável, recomendo também a jovens e adolescentes.

Ítalo Calvino - O Barão nas árvores


Sempre muito bem falado pela Cássia Fernandes, mas por mim apenas recentemente lido, o nome de Ítalo Calvino continuava para mim associado principalmente ao livro não-ficcional “Por que ler os clássicos”.
Finalmente tive o grande prazer de aventurar-me na história do baronete Cosme Chuvasco de Rondó, que, após uma pequena discussão familiar ao jantar, resolve subir num carvalho do jardim de sua casa para nunca mais pôr os pés no chão em vida e nem quando de sua morte, mais de meio século depois.
“O barão nas árvores” é um livro curto e intenso. A narrativa corre sem perder o fôlego, sem parar para descansar, no ritmo do protagonista, dos seus doze anos de idade até para depois dos sessenta e cinco, o que ocorre da segunda metade do século XVII até o início do século XVIII. Durante todo esse tempo, o herói, sem pisar os pés no chão, percorrendo sua vila e arredores, na região de Gênova, apaixona-se, caça, trabalha em prol de sua comunidade, troca correspondências com filósofos importantes da época, participa de batalhas, conhece e relaciona-se com comandantes, príncipes, padres, é “visitado” por damas e donzelas, reencontra seu amor de infância, alegra-se, decepciona-se, questiona tudo e todos, em especial a si mesmo, e despede-se de maneira poética, nem mesmo ali voltando ao solo.
Pulando de galho em galho, literalmente, a trajetória do baronete - depois barão, com a morte do pai - é a história de um homem comum, idealista, sonhador, romântico, inteligente, questionador e essencialmente bondoso, cuja única excentricidade, no fim das contas, é não querer mais descer das árvores. É um belo e muito bem escrito romance, com o toque de realismo fantástico apenas suficiente para tornar o livro ainda mais interessante.
Cercado de personagens singulares como o pai, barão que sonha com o ducado, a mãe, com sua esquizofrenia militarista, a irmã, ninfomaníaca de nascença e meio retardada, o tio vigarista, o preceptor jesuíta fugitivo, e irmão-narrador, talvez o único normal na história, que o inveja mas não o segue, servindo de elo necessário entre Cosme e a vida no solo.
Ítalo Calvino aqui também não perde a oportunidade de prestar homenagem à literatura. Em suas andanças, melhor dizendo, suas penduranças pelos galhos, Cosme encontra um bandido da região, João do Mato, que gostaria de ter livros para ler e assim passar o tempo. O baronete, apaixonado pela leitura, trata de emprestar-lhe alguns, cativando a amizade do larápio e, de quebra, tornando-o um aficionado. O episódio rende passagens hilárias, como uma na qual o bandido é chantagiado por comparsas que ameaçam rasgar e queimar folhas de um interessante romance que não terminara ainda de ler.
A história toda é narrada por Biágio, o irmão menor do protagonista, e impressiona pela forma elegante e ao mesmo tempo divertida, com elementos cômicos, românticos, políticos, filosóficos, referências históricas e científicas, tudo muito bem costurado de forma leve mas profunda.
“O barão nas árvores” é, sem dúvida, um bom exemplo de livro a ser indicado a leitores juvenis ou iniciantes, por ser um dos raros exemplares de uma literatura de qualidade, com conteúdo, bom no roteiro e na forma, sem o rebuscamento que torna os grandes clássicos, modernos ou não, às vezes, de difícil digestão.
Recomendadíssimo!

domingo, 14 de outubro de 2012

Área reservada para amantes



Sou fumante ocasional e não sofro tanto com isso, mas juro que morro de pena de quem passa a noite toda do lado de fora da boate, apesar de ter pago o mesmo valor no ingresso, porque não consegue ficar mais do que 2 minutos sem um cigarro na boca.
O terrorismo anti-tabagista chega às raias do absurdo. Antes que me chamem de xiita, quero deixar claro que concordo que quem não gosta de cigarro não deve ser obrigado a respirar sua fumaça. Para isso uma boa área reservada para fumantes, completamente isolada, já resolveria o problema e permitiria um tratamento humano aos seres humanos viciados no tabaco.
Mas estou fugindo do assunto.
Não vim aqui falar de cigarros, mas sim de amor!


O amor é prejudicial à saúde, o amor pode levar à morte. Não estou exagerando e nem sendo metafórico. Aqui cabe uma explicação: falo do amor-paixão-romântico. Amar os filhos, os pais, os amigos, isso não faz mal. O que faz mal é aquele amor romântico sob o nome do qual tiros foram desferidos, pessoas pularam de janelas e pontes, outras tantas penduraram-se pelo pescoço em cordas ou jogaram-se na frente de automóveis em movimento, ou, sendo menos dramático, apenas entraram em depressão profunda e viciaram-se no álcool ou em tarjas pretas.
Há algum tempo já me convenci que esse negócio de que somos “metades” humanas que só se tornam plenas após encontrar a outra banda da laranja, o outro par do sapato ou a tampa da sua panela, é cultural, é ensinado, faz parte de um aprendizado social. Há sociedades onde ninguém é de ninguém ou todos são de todos (e não estou falando das “sociedades hippies”). A monogamia (e a monoandria) é, de fato, adotada por menos de 20% das sociedades conhecidas. Em termos populacionais a monogamia é o que domina, mas a existência de tantas sociedades menores que ignoram a exclusividade de parceiros, e o fato de que essas sociedades são, na maior parte das vezes, primitivas, nos levam a deduzir que o homem é naturalmente promíscuo. Quem tiver curiosidade sobre o assunto, leia “A Cama na Varanda” da Regina Navarro Lins. Lá há uma extensa bibliografia sobre o assunto.
Mas estou novamente fugindo do assunto. Vim falar não da monogamia, mas especificamente sobre o amor romântico como algo não necessariamente bom.
Uma pessoa apaixonada é um ser bastante perigoso. Ele pode matar ou morrer por isso, literalmente.
Outro dia tive a curiosidade de pesquisar a palavra “suicídio” no Google. A esmagadora maioria dos casos listados foi provocada por desilusões amorosas: amores não correspondidos, pessoas que perderam cônjuges, noivos ou namorados, ou a simples ausência de um amor.
Para saber mais dos crimes de amor, pode-se recorrer aos jornais sanguinários. Toda metrópole tem um. O crime passional ocorre quando o sujeito não tem coragem de atirar contra o próprio peito, aponta o revólver para o outro lado e dispara contra a pessoa “amada” (se isso é amor, por favor, não me amem!).
Às vezes os flechados pelo cupido fazem coisas mais absurdas como, por exemplo, fundar uma religião. Assim foi o rei Henrique VIII, que rompeu com Roma e fundou a Igreja Anglicana só para obter a benção divina e casar-se com Ana Bolena. Ela devia ser, com o perdão do trocadilho,  “realmente” gostosa, uma verdadeira “princesa”.
Há coisas menores e sem qualquer importância histórica, como mudar de emprego (para um pior) ou afastar-se da família sanguínea e dos amigos para ficar junto da pessoa amada, brigar com a mãe porque esta não se bica com a nora, ou com o pai se este não vai com a cara do genro, abandonar tudo e todos, como prova de amor.
E há uma outra coisa bem grave: a anulação do “eu” em prol do “outro”. Os barbudos que abandonam a potencial ilustre carreira no futebol (apenas a carreira no âmbito do clube da esquina, é claro), os motoclubes (fui um deles), a turma da sinuca, a banda de rock. As mulheres que abdicam da companhia das amigas ou … (não sei o que as mulheres fazem quando estão em bando, fora das nossas vistas, então deixo as reticências).
Enfim, passa-se a viver em função do outro. Isso costuma fazer mal à saúde. Mesmo que, sob uma invejável resignação, tolerância e força de vontade, os casais consigam comemorar as bodas de prata, ouro, diamante ou sei lá que outra preciosidade, provavelmente acumularam tanta angústia e rancor em seus corações, que só mesmo aumentando a frequência das sessões com o psiquiatra para renovar a receita do remedinho. Toda regra tem exceção. Refiro-me à regra.
Todos essas doenças transmitidas pela flecha do cupido (deveriam inventar camisinha para a flecha do anjinho pernicioso), foram exaustivamente retratadas por tantos escritores e por outro anjo, o pornográfico, Nelson Rodrigues.
Você deve estar se perguntando por que diabos eu começo falando de cigarros e depois só falo de amor, amor e amor. Explico: é que deveriam fazer com o amor o que fizeram com o cigarro.
Se o amor faz mal à saúde, se o amor pode levar à morte, o Ministério da Saúde deveria advertir as pessoas quanto aos seus males, assim como as adverte quanto ao cigarro (que nem sei se mata mais que o amor).
Deveria vir na embalagem do amor, se este tivesse embalagem, alertas como “Evite amar na frente das crianças”, “Esse produto (o amor) contém trocentas substâncias tóxicas”, “Amar pode levar à morte”, “Amar causa impotência” (eu trocaria esse maço por um que provoque câncer), entre outros. As mensagens poderiam vir acompanhadas de fotos de corpos após o suicídio amoroso, rostos deformados por surras nascidas do ciúme, vítimas de crimes passionais, fetos abortados após relações sexuais irresponsáveis praticadas sob o efeito da paixão desenfreada, mendigos que já foram bons de vida mas se tornaram alcoólatras após uma desilusão amorosa. Tantas são as opções de boas fotos que mostrariam os efeitos nocivos do amor e desestimulariam a entrada nesse vício.
Mas amor não tem embalagem, não é vendido em banca de jornal e nem em posto de gasolina (vende-se amor nas esquinas e em certas casas de tolerância, mas não é nesse sentido que estou falando). O poder público teria, portanto, que lançar mão de outras estratégias.
Deveria ser proibida a publicidade do amor. Nada de beijos ou afetos em outdoors ou propagandas na TV, no rádio ou em revistas. Nenhuma cena que estimule o amor seria permitida nos filmes ou nas novelas. Ora, se capas de LPs e até filmes antigos foram editados para que cigarros pudessem desaparecer digitalmente, por que não disfarçar ou excluir as cenas de amor? Claro que alguns longas-metragens virariam curtas e perderiam todo o sentido, como “9 ½ Semanas de Amor” (argh!). Outros ficariam esquisitíssimos ou perderiam a graça, como “O Último Tango em Paris”, “O Império dos Sentidos” ou “Calígula”. Mas seria necessário para evitar que o mal se alastre.
O “Fantástico”, aquele programa que já foi bom e não é mais, poderia lançar um quadro no estilo “Medida Certa”. Os apresentadores se submeteriam a um processo intensivo de desintoxicação amorosa, e, ao final, percorreriam o Brasil pregando os benefícios de uma vida sem amor, mais saudável, sem brigas por ciúmes, sem depressão amorosa, sem problemas de auto-estima e sem crimes passionais.


As administrações municipais poderiam proibir o amor em locais públicos, como supermercados e shopping centers (onde os adolescentes se amam muito, por sinal). Placas de “É Proibido Amar”, com a imagem de um casal ou de um coração sob uma faixa oblíqua vermelha, alertaria quanto à proibição. Abaixo, em letras miúdas, o número da lei.
Menores de idade seriam presos se fossem pegos amando-se. O primeiro selinho só seria permitido aos dezoito. Depois disso,  manifestações amorosas estariam autorizadas, mas em casa, na intimidade do quarto do casal, de portas fechadas para não estimular as crianças que brincam na sala.
Os bares, restaurantes e boates, por fim, criariam “áreas reservadas para amantes”, para onde os viciados no amor seriam deportados, faça chuva ou faça sol, no frio ou no calor, e lá ficariam isolados e aglomerados, amando-se, longe da vista dos que não amam. É para onde eu iria, sem dúvida; eu e minha amada. E nos amaríamos a noite toda, nos intoxicaríamos com a fumaça do amor e morreríamos mais cedo, alguns minutos a menos de vida a cada beijo, mas morreríamos felizes.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Cigarro não! E bebiba? Por que não?




Tudo que faz mal vira, via de regra, objeto de regulamentação, proibição, humilhação e outras formas de controle estatal e tolhimento da liberdade individual.

Assim foi com o cigarro. Hoje, em Curitiba (ou outra cidade igualmente anti-tabagista), só se pode acender o próprio cigarro dentro de casa ou em chiqueirinhos especialmente criados para o rebanho de suicidas do tabaco.

A bebida, no entanto, mata mais que o cigarro. Antes que alguém aqui me apareça com as estatísticas da OMS, que falam em 4,9 milhões de mortes devido ao cigarro, por ano, contra 1,8 milhão decorrentes do álcool, devo lembrar que esses números referem-se apenas a mortes diretamente relacionadas a doenças provocadas pelo tabagismo e pelo alcoolismo.

Ignora-se, sabe-se lá por que, que a bebida mata mesmo quem não bebe, por atropelamento e outros acidentes de trânsito, acidentes de trabalho, violência gratuita em bares e festas, e violência familiar. Não nos esqueçamos dos crimes sexuais, onde a bebida costuma ser um importante elemento estimulante, aquela dose a mais que o macho precisa para inibir os freios morais e se sentir mais determinado a forçar a cópula não consentida pela frágil vítima.

Por motivos desconhecidos, o álcool não recebe do Estado qualquer limitação em sua publicidade ou consumo. Só não deixam você dirigir bêbado, mas beber até ganhar aquela coragem que faltava para sentar o porrete na mulher e nos filhos pode sim. E o estímulo para isso, aliando o sabor incrível da cerveja gelada à imagem da mulher-objeto, faz a alegria das agências publicitárias e das emissoras de TV. Afinal, ninguém quer perder seu quinhão da indústria bilionária da publicidade etílica, já que não se pode mais desfilar as propagandas de Hollywood que mostravam fumantes voando de asa-delta, velejando em pranchas de windsurf e outros esportes legais que o consumidor passaria a praticar caso comprasse um maço na banca da esquina.

O tabaco foi banido das propagandas, dos filmes, das novelas, do teatro. É proibido ver alguém fumando, pode ser perigoso. Mas que tal mostrar, na novela, um bêbado surrando a mulher ou fazendo alguma outra besteira? Diria que nem chega a ser uma cena rara.

Deram-se ao trabalho de fazer, em nome do anti-tabagismo, as coisas mais hilárias, como editar filmes antigos ou capas de discos para se retirar, digitalmente, cigarros impróprios. A birita, por outro lado, permanece muito bem vista, tal a elegância de se tomar um bom vinho, mesmo que seja por um deputado que depois, na saída do restaurante, mate dois jovens que nada tinham a ver com a festa do congressista do Paraná (caso real; quem não conhecer, pesquise na Internet).

E por falar em festa, alguém já contou o número de mortes diretamente relacionadas aos porres carnavalescos? Mas os grandes fabricantes de cerveja continuam lá, com seus outdoors e “chamadas” televisivas durante o desfile das escolas de samba ou a cobertura do carnaval do axé e do frevo.

No cinema, nos livros, tantas e tantas histórias de crimes regados a sangue e álcool. Nos jornais, diariamente, a vida imitando a arte.

Por vezes chegamos até a promover uma dose diária de saúde: o vinho que afina o sangue, a cerveja que faz bens para os rins e outras crendices tão suspeitas quanto à da margarina que era saudável, depois não foi mais, depois voltou a ser etc. Fico imaginando quantos alcoólatras justificam seu vício na mais recente pesquisa na TV que disse que beber faz bem. Claro que esquecem da posologia e partem para overdoses em homenagem ao deus Baco.

Quem sabe se as embalagens de bebidas trouxessem, a exemplo dos maços de cigarro, imagens de terror com doentes terminais, cadáveres de vítimas de cirrose, pancreatite ou úlcera gástrica, fígados desfigurados, bêbados caídos em sarjetas ou coisas do gênero, teríamos um efeito educador e alguma diminuição no consumo desenfreado do álcool.

A noção de saúde pública das nossas autoridades anda muito estreita. Talvez considere-se, nos corredores do Congresso e do Ministério da Saúde, que é saudável virar alcoólatra, desenvolver alguma doença decorrente da ingestão exagerada de álcool, morrer espancado, ou ser abusado sexualmente, desde que o agressor tenha usado uma droga lícita, algo como uma garrafa inteira de pinga.


sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Love sucks

Ah o amor romântico!
Lendo todos aqueles romances do século XIX com suas histórias de amores corteses, paixões de uma vida inteira, juras de amor, orgasmos espirituais ao mais leve toque de mão, enfim, todas aquelas cenas românticas regadas a mel e açúcar, passarinhos cantando ao redor das cabeças dos amantes etc etc etc, pode-se chegar à equivocada conclusão de que o amor romântico não resistiu ao século XX e, por isso, não chegou ao século XXI.
Não é bem assim! Muda-se o cenário, mudam-se as ferramentas, as roupas, os cabelos, os costumes, mas o ser humano é o mesmo. Aliás, se o ser humano muda-se no ritmo da troca dos séculos, toda a filosofia grega clássica estaria morta já há alguns deles.
Os costumes decerto mudaram. 
Alazões e ginetes perderam os cascos, ganharam rodas e trocaram o capim pela gasolina. Amantes cavalgam em direção ao ser amado no meio não de bosques floridos, mas entre ônibus, pedestres suicidas e assaltantes nas esquinas engarrafadas. 
Cartas de amor seladas a cera e brasão, entregues por mensageiros de confiança, hoje correm sem papel, sem selo, sem tinta e sem charme, na infovia nem tão confiável. Bilhetes entregues de mão a mão, até com a desculpa da entrega para tocar um pedaço de pele ou de luva da amada, ou do amado, são agora torpedos invisíveis e sem tato, disparados de dentro do bolso.
A voz que para ser ouvida exigia a presença do outro e garantia também sua vista, desde muito pode ser ouvida à distância; mas até o telefone mostra sua obsolescência diante dos meios mais modernos e seguros do torpedo, do post e do chat, que não exigem resposta imediata, ou nem exigem resposta, e protegem os amantes de inadvertidas exposições emocionais como respirações ofegantes, gagueiras súbitas, risos nervosos ou outros sinais que derrubam nossas máscaras e "entregam" nosso verdadeiro eu.
Os salões de baile, local preferido para a corte, descartaram suas velas e candelabros em troca de neons e luzes negras, e o embalar da valsa pela balada da rave. Cantar à amada embaixo de seu balcão tornou-se atividade perigosa, sujeita a assaltos ou prisões. Melhor mandar-lhe links de vídeos musicais pela internet a partir do conforto de seu quarto.
Mas tudo isso são apenas costumes, meios, ferramentas. O amor é o mesmo. Não me venham falar do amor livre dos anos 60, no fim da estabilidade afetiva dos anos 70, no amor grupal-sexual dos anos 80, no amor rápido e descompromissado dos anos 90 ou no amor salve-se-quem-puder do novo milênio. São diferentes facetas no mesmo velho amor.
O amor que fez Madame Bovary (em "Madame Bovary", de Flaubert) matar-se com veneno e que fez Julien Sorel (em "O Vermelho e o Negro", de Stendhal) perder a cabeça, literalmente, numa guilhotina, pelo seu amor, é o mesmo que fez Cibele Dorsa, aos 36 anos de idade, jogar-se de sua janela para a morte em 26 de março de 2011 por não suportar o suicídio do noivo um mês antes. Também é o mesmo amor que ceifou a vida de Miquéias Rafael de Oliveira, em 09 de maio de 2012, aos 16 anos de idade, que se enforcou em casa após ser abandonado pela namorada.
Se tivessem cometido suicídio na época de Flaubert e Stendhal, teriam deixado lindas cartas manuscritas manchadas de lágrimas e sangue. Mataram-se, todavia, sob a falta de classe do século XXI, deixando voláteis mensagens nas redes sociais, lidas por expectadores passivos e indiferentes.
Diferentes idades, diferentes histórias, mesmo motivo: o tal do amor romântico. Aquele que nos ensina a não saber viver sem a "nossa outra metade".
O amor romântico, aqui aproveitando algo dito por Nikos Kazantzakis em "Os Imãos Inimigos", pode ser a a maior alegria ou a maior tristeza que existe. Os momentos ao lado da pessoa amada são incrivelmente prazerosos. A perda da pessoa amada, por outro lado, pode ser fatal, de verdade.
Seja no século XIX, XX ou XXI, o amor é o mesmo. E não é de todo bom. Como diria um americano, "love sucks".


terça-feira, 4 de setembro de 2012

Sinais


A vida parece uma via cheia de sinais verdes, amarelos e vermelhos. 
Crianças brincando de colorir, damos a eles a cor que queremos, pintamos no branco o sinal que desejamos.
E assim, não levamos a vida que existe, mas a vida que sonhamos.
Otimistas vêem sinais verdes onde pessimistas vêem vermelhos. E ao verem um amarelo, uns arriscam avançar, outros não hesitam em parar.
Indecisos, sabendo que não sabem que cor é aquela, nem param e nem avançam, e ficam no meio do cruzamento atrapalhando o trânsito.
Os sinais estão lá... verdes, amarelos e vermelhos. Pena que somos todos daltônicos.

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

O vazio do tempo vazio

O vazio do tempo vazio.
Tudo congela.
Não, tudo anda.
Nós é que congelamos.
Tudo anda sem nós.
Tudo anda mais rápido,
e nós congelados.
Assisto a tudo da janela.
Meu corpo inerte,
uma múmia.
O tempo passando sem mim.
Um pedaço da vida indo a cada minuto,
um pedaço da morte se antecipando a cada instante
que é passado sem mim.
A vida que descola do tempo.
O tempo que passa ao largo da minha vida.
O tempo que assisto da janela,
que só corre por fora dela.
Aqui dentro tudo parado,
apenas eu, inerte, morto, estático.
E a vida lá fora prossegue.
Os tempos lá fora preenchidos.
Aqui dentro o tempo cheio apenas de um grande vazio.
Melhor dormir
e não ver o tempo passar lá fora sem mim,
e nem eu passar o tempo aqui dentro sem ti.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Flaubert, Bovary e o trânsito.






Embalado pelo som dos Beatles, recheado de exaustivas ocorrências da palavra “LOVE”, entrei, como proteção contra o tédio e o stress do congestionamento diário no caminho do trabalho para casa, num exercício de imaginação. Lembrei de livros que li, tantos deles retrataram de maneira incansável as venturas e desventuras do amor, enquanto meus olhos assistiam, no mundo real, a uma fila infindável de carros, ônibus e caminhões, e meus ouvidos se esforçavam para ouvir as ocorrências de “LOVE” em meio às buzinadas e roncos de motores ao meu redor.
Veio à mente que a literatura clássica, romântica, ocupou-se tanto das questões do coração, pois teriam sido elas, talvez, as responsáveis pelas angústias de uma humanidade bucólica, que trabalhava em casa, ou não trabalhava, pois o amor era vivido por personagens da nobreza ou da alta burguesia. Se trabalhava, ia a pé, a cavalo ou em charretes, e não deixava e buscava os filhos na escola. Fosse Flaubert nosso contemporâneo, não teria escrito a tragédia de uma Madame Bovary atormentada pelas paixões amorosas, mas talvez pelos engarrafamentos ao sair de casa transportando suas crianças, correndo para bater o ponto no trabalho, repetindo tudo ao meio dia e depois à noite. Isso porque o trânsito tornou-se, quem sabe, uma fonte de angústias e desprazeres maior que qualquer coração ferido, amor não correspondido, paixão impossível ou algo do gênero.
Pode-se mesmo perceber semelhanças entre o trânsito de agora e o amor de outrora.
A indecisão, por exemplo. Aquele carro na sua frente, que não sabe se vai para a esquerda ou a direita, se pára ou se anda, não nos irrita tanto quanto o amante que não sabe se vai ou se fica, se quer ou se não quer?
E quando essa indecisão leva alguém a manter seu carro sobre duas faixas, como se não houvesse mais ninguém para trafegar naquela rua? Não seria tão irritante quanto aquele que ocupa dois corações alheios, sem saber direito por qual optar, e, atrapalhando o tráfego das paixões, impede que outros corações avancem livremente?
E os roncos dos motores, mormente das motocicletas, e as buzinas histéricas, não nos levam á loucura, tal qual levaria a histeria de um amante indignado?
Até o tempo relativa-se no trânsito como relativava-se na paixão romântica. Cada minuto longe da pessoa amada durava uma hora, cada dia uma semana, cada mês uma vida. Hoje, o tempo se estica a cada sinal fechado. Segundos passam em câmera lenta e, quando o verde abre, o tempo acelera mais do que os carros à nossa frente e vemos, incrédulos, o vermelho fechar a porta à nossa cara.
Aproveito a parada e o tempo que volta a se retardar, para voltar meus ouvidos novamente ao som do carro. Fujo junto com os Beatles para outro lugar, cheio de “LOVE”s. De certo, Flaubert, na sua época, ou Madame Bovary, que, segundo ele, era ele mesmo, puxaria da gaveta um livro e fugiria com seus personagens para bem longe do trânsito, digo, de suas tormentas, fossem elas quais fossem.