
Não foram poucas as vezes em que ouvimos "um dia as crianças receberão um chip implantado logo após o nascimento". A frase recebeu inúmeras versões, mas a ideia é a seguinte: no futuro, todos nós seremos rastreados desde o nascimento, assim como um bezerro que recebe uma etiqueta na orelha, ou uma gaivota um bracelete numerado no magro tornozelo.
Ótimo! Nada mais de carteiras de identidade, cartões de crédito, crachás funcionais, carteirinhas do clube, da academia, nada! Para saber quem sou eu, bastará eu me aproximar de uma máquina leitora-identificadora de gente. Eu disse "aproximar". Nenhum contágio de gripe aviária do século XXII virá daí.
Não chegamos lá ainda, mas já demos o primeiro passo: o telefone celular.
Benção quando nasceu, praga da modernidade agora que todo mundo tem, e todo mundo espera que todo mundo tenha, e que esteja ligado durante as 24 horas dos sete dias da semana. Sem exceção nem mesmo para o sábado dos adventistas e dos judeus ou de quem mais tenha tido outrora um dia santo semanal.
Nascemos e já ganhamos, não um telefone, mas um smartphone com acesso a todo tipo de rede social, e-mail, blog, twitter etc etc etc. E ai de você se não responder imediatamente à chamada da esposa ou o e-mail do patrão. Espere grandes decepções e retaliações caso não comente ou ao menos curta aquele post do amigo no prazo máximo meia-hora após sua publicação. Não aceitar o pedido de amizade no Facebook? Inimizade para o resto da vida.
A conectividade deixou de ser um privilégio para se tornar uma obrigação. Absurdo não pertencer a uma rede social, absurdo maior ainda não ter uma conta de e-mail, absurdo inadmissível não ter um celular.
Feliz foi meu pai, que morreu sem ter um telefone no bolso. Se não queria ser perturbado, saía para caminhar nas areias de Guarapari, sozinho, sem os parentes, os amigos ou os inimigos na bermuda. Quando se cansava, voltava, e, sem identificador de chamadas, ninguém lhe cobrava um retorno quando resolvia tirar o fone do gancho (aquele de casa, com fio e disco de discagem). Garantida, então, a tranquilidade do silêncio telefônico.
A Apple, com sua extraordinária capacidade de antever o que queremos e o que não queremos (ou o que uns querem e outros não querem), foi diversas vezes processada nos EUA (a terra do judiciário) pelos lares destruídos pelo genial serviço de localização de iphones perdidos. A ideia é você achar seu aparelho extraviado ou furtado. Claro, virou mecanismo de espionagem. Filhos e cônjuges desavisados foram devidamente rastreados, localizados e punidos, uns com puxões de orelha, outros com a perda do patrimônio e da guarda das crianças. E tome processo!
Smartphones à prova d´água já estão por aí. Nada de desculpa do tipo "eu estava tomando banho! eu estava no banheiro! eu estava nadando!". Infeliz de quem retrucar com desculpas esfarrapadas como essas a reclamação por não ter atendido o telefone ao primeiro toque. E não adianta também pôr a culpa na operadora. Coincidência inaceitável essa da operadora ter "dado" problema bem na hora que te ligaram.
Que bom! Que legal! Que benção a conectividade! Não para mim! Não implantaram na minha cabeça um chip quando nasci. E não irei eu mesmo implantar um chip no bolso e permitir que a humanidade inteira espere e me cobre que eu permaneça conectado full-time. Tenha dó!
Por falar nisso, perderão minha amizade, estima e consideração aqueles que não postarem um comentário a esse texto no meu blog em no máximo, digamos, 15 minutos!
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