terça-feira, 25 de setembro de 2012

Cigarro não! E bebiba? Por que não?




Tudo que faz mal vira, via de regra, objeto de regulamentação, proibição, humilhação e outras formas de controle estatal e tolhimento da liberdade individual.

Assim foi com o cigarro. Hoje, em Curitiba (ou outra cidade igualmente anti-tabagista), só se pode acender o próprio cigarro dentro de casa ou em chiqueirinhos especialmente criados para o rebanho de suicidas do tabaco.

A bebida, no entanto, mata mais que o cigarro. Antes que alguém aqui me apareça com as estatísticas da OMS, que falam em 4,9 milhões de mortes devido ao cigarro, por ano, contra 1,8 milhão decorrentes do álcool, devo lembrar que esses números referem-se apenas a mortes diretamente relacionadas a doenças provocadas pelo tabagismo e pelo alcoolismo.

Ignora-se, sabe-se lá por que, que a bebida mata mesmo quem não bebe, por atropelamento e outros acidentes de trânsito, acidentes de trabalho, violência gratuita em bares e festas, e violência familiar. Não nos esqueçamos dos crimes sexuais, onde a bebida costuma ser um importante elemento estimulante, aquela dose a mais que o macho precisa para inibir os freios morais e se sentir mais determinado a forçar a cópula não consentida pela frágil vítima.

Por motivos desconhecidos, o álcool não recebe do Estado qualquer limitação em sua publicidade ou consumo. Só não deixam você dirigir bêbado, mas beber até ganhar aquela coragem que faltava para sentar o porrete na mulher e nos filhos pode sim. E o estímulo para isso, aliando o sabor incrível da cerveja gelada à imagem da mulher-objeto, faz a alegria das agências publicitárias e das emissoras de TV. Afinal, ninguém quer perder seu quinhão da indústria bilionária da publicidade etílica, já que não se pode mais desfilar as propagandas de Hollywood que mostravam fumantes voando de asa-delta, velejando em pranchas de windsurf e outros esportes legais que o consumidor passaria a praticar caso comprasse um maço na banca da esquina.

O tabaco foi banido das propagandas, dos filmes, das novelas, do teatro. É proibido ver alguém fumando, pode ser perigoso. Mas que tal mostrar, na novela, um bêbado surrando a mulher ou fazendo alguma outra besteira? Diria que nem chega a ser uma cena rara.

Deram-se ao trabalho de fazer, em nome do anti-tabagismo, as coisas mais hilárias, como editar filmes antigos ou capas de discos para se retirar, digitalmente, cigarros impróprios. A birita, por outro lado, permanece muito bem vista, tal a elegância de se tomar um bom vinho, mesmo que seja por um deputado que depois, na saída do restaurante, mate dois jovens que nada tinham a ver com a festa do congressista do Paraná (caso real; quem não conhecer, pesquise na Internet).

E por falar em festa, alguém já contou o número de mortes diretamente relacionadas aos porres carnavalescos? Mas os grandes fabricantes de cerveja continuam lá, com seus outdoors e “chamadas” televisivas durante o desfile das escolas de samba ou a cobertura do carnaval do axé e do frevo.

No cinema, nos livros, tantas e tantas histórias de crimes regados a sangue e álcool. Nos jornais, diariamente, a vida imitando a arte.

Por vezes chegamos até a promover uma dose diária de saúde: o vinho que afina o sangue, a cerveja que faz bens para os rins e outras crendices tão suspeitas quanto à da margarina que era saudável, depois não foi mais, depois voltou a ser etc. Fico imaginando quantos alcoólatras justificam seu vício na mais recente pesquisa na TV que disse que beber faz bem. Claro que esquecem da posologia e partem para overdoses em homenagem ao deus Baco.

Quem sabe se as embalagens de bebidas trouxessem, a exemplo dos maços de cigarro, imagens de terror com doentes terminais, cadáveres de vítimas de cirrose, pancreatite ou úlcera gástrica, fígados desfigurados, bêbados caídos em sarjetas ou coisas do gênero, teríamos um efeito educador e alguma diminuição no consumo desenfreado do álcool.

A noção de saúde pública das nossas autoridades anda muito estreita. Talvez considere-se, nos corredores do Congresso e do Ministério da Saúde, que é saudável virar alcoólatra, desenvolver alguma doença decorrente da ingestão exagerada de álcool, morrer espancado, ou ser abusado sexualmente, desde que o agressor tenha usado uma droga lícita, algo como uma garrafa inteira de pinga.


sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Love sucks

Ah o amor romântico!
Lendo todos aqueles romances do século XIX com suas histórias de amores corteses, paixões de uma vida inteira, juras de amor, orgasmos espirituais ao mais leve toque de mão, enfim, todas aquelas cenas românticas regadas a mel e açúcar, passarinhos cantando ao redor das cabeças dos amantes etc etc etc, pode-se chegar à equivocada conclusão de que o amor romântico não resistiu ao século XX e, por isso, não chegou ao século XXI.
Não é bem assim! Muda-se o cenário, mudam-se as ferramentas, as roupas, os cabelos, os costumes, mas o ser humano é o mesmo. Aliás, se o ser humano muda-se no ritmo da troca dos séculos, toda a filosofia grega clássica estaria morta já há alguns deles.
Os costumes decerto mudaram. 
Alazões e ginetes perderam os cascos, ganharam rodas e trocaram o capim pela gasolina. Amantes cavalgam em direção ao ser amado no meio não de bosques floridos, mas entre ônibus, pedestres suicidas e assaltantes nas esquinas engarrafadas. 
Cartas de amor seladas a cera e brasão, entregues por mensageiros de confiança, hoje correm sem papel, sem selo, sem tinta e sem charme, na infovia nem tão confiável. Bilhetes entregues de mão a mão, até com a desculpa da entrega para tocar um pedaço de pele ou de luva da amada, ou do amado, são agora torpedos invisíveis e sem tato, disparados de dentro do bolso.
A voz que para ser ouvida exigia a presença do outro e garantia também sua vista, desde muito pode ser ouvida à distância; mas até o telefone mostra sua obsolescência diante dos meios mais modernos e seguros do torpedo, do post e do chat, que não exigem resposta imediata, ou nem exigem resposta, e protegem os amantes de inadvertidas exposições emocionais como respirações ofegantes, gagueiras súbitas, risos nervosos ou outros sinais que derrubam nossas máscaras e "entregam" nosso verdadeiro eu.
Os salões de baile, local preferido para a corte, descartaram suas velas e candelabros em troca de neons e luzes negras, e o embalar da valsa pela balada da rave. Cantar à amada embaixo de seu balcão tornou-se atividade perigosa, sujeita a assaltos ou prisões. Melhor mandar-lhe links de vídeos musicais pela internet a partir do conforto de seu quarto.
Mas tudo isso são apenas costumes, meios, ferramentas. O amor é o mesmo. Não me venham falar do amor livre dos anos 60, no fim da estabilidade afetiva dos anos 70, no amor grupal-sexual dos anos 80, no amor rápido e descompromissado dos anos 90 ou no amor salve-se-quem-puder do novo milênio. São diferentes facetas no mesmo velho amor.
O amor que fez Madame Bovary (em "Madame Bovary", de Flaubert) matar-se com veneno e que fez Julien Sorel (em "O Vermelho e o Negro", de Stendhal) perder a cabeça, literalmente, numa guilhotina, pelo seu amor, é o mesmo que fez Cibele Dorsa, aos 36 anos de idade, jogar-se de sua janela para a morte em 26 de março de 2011 por não suportar o suicídio do noivo um mês antes. Também é o mesmo amor que ceifou a vida de Miquéias Rafael de Oliveira, em 09 de maio de 2012, aos 16 anos de idade, que se enforcou em casa após ser abandonado pela namorada.
Se tivessem cometido suicídio na época de Flaubert e Stendhal, teriam deixado lindas cartas manuscritas manchadas de lágrimas e sangue. Mataram-se, todavia, sob a falta de classe do século XXI, deixando voláteis mensagens nas redes sociais, lidas por expectadores passivos e indiferentes.
Diferentes idades, diferentes histórias, mesmo motivo: o tal do amor romântico. Aquele que nos ensina a não saber viver sem a "nossa outra metade".
O amor romântico, aqui aproveitando algo dito por Nikos Kazantzakis em "Os Imãos Inimigos", pode ser a a maior alegria ou a maior tristeza que existe. Os momentos ao lado da pessoa amada são incrivelmente prazerosos. A perda da pessoa amada, por outro lado, pode ser fatal, de verdade.
Seja no século XIX, XX ou XXI, o amor é o mesmo. E não é de todo bom. Como diria um americano, "love sucks".


terça-feira, 4 de setembro de 2012

Sinais


A vida parece uma via cheia de sinais verdes, amarelos e vermelhos. 
Crianças brincando de colorir, damos a eles a cor que queremos, pintamos no branco o sinal que desejamos.
E assim, não levamos a vida que existe, mas a vida que sonhamos.
Otimistas vêem sinais verdes onde pessimistas vêem vermelhos. E ao verem um amarelo, uns arriscam avançar, outros não hesitam em parar.
Indecisos, sabendo que não sabem que cor é aquela, nem param e nem avançam, e ficam no meio do cruzamento atrapalhando o trânsito.
Os sinais estão lá... verdes, amarelos e vermelhos. Pena que somos todos daltônicos.