Desde priscas eras (parafraseando um certo professor de Direito que admiro muito), o homem (e a mulher - dada a pressão recente para que ao masculino não seja permitido representar o ser humano linguisticamente) adota símbolos de compromisso, de posse em relação ao outro ou às coisas que possui (ou pensa que possui).
Tal qual marcas de ferro em couro de boi, coleiras de couro em pescoço de cachorro, capas distintivas em cadernos de escola ou etiquetas com nomes em malas de viagem, colocamos em quem nos interessa marcar nossos sinais de posse e propriedade.
Alianças e anéis de compromisso são as marcas de ferro mais tradicionais. Mas há quem queira algo que não escape do dedo e role ao primeiro bueiro. Tatuagens com o nome do amado-proprietário bem à mostra, no braço, no pescoço, ou, num requinte de crueldade, nas partes mais íntimas, para que sejam mostradas bem na hora H a parceiros subsequentes. Tatuagens que viram manchas escuras e disformes em vãs tentativas de correção ortográfica. "O que é isso?" "Uma tatuagem, meu bem!" "Mas o que significa?" "Uma nuvem negra de chuva, não está vendo?".
Enquanto válidas, são lindas. Expiradas, o nome do falecido no mármore da pele soa mais como um epitáfio.
Melhor usar marcas genéricas que sobrevivam às mudanças: "Sou sua", "Vem, meu bem!", "Paixão da minha vida" ou algo assim, sem endereço certo. Pode-se também, com algum (enorme) trabalho adicional, só se relacionar com pessoas de mesmo nome. Para tornar a façanha menos impossível, deve-se escolher um nome comum. Prefira Maria a Vaudelina, João a Ronicleiton. Dessa forma, pode-se reutilizar, reciclar, sendo politicamente correto, ecológico e evitando o desperdício de tinta de tatuagem, a marca do antigo dono. Cuidado apenas para não mostrar a etiqueta antiga na primeira noite. Deve-se ocultá-la até o dia em que seja conveniente dizer sem levantar suspeitas "Meu bem, olha a tatuagem que fiz para você! Não ficou linda?". Desnecessário dizer que a tatoo com o nome reciclável deve ser restaurada de tempos em tempos a fim de parecer sempre nova.
A tecnologia, todavia, tem facilitado esse doloroso processo de marca-desmarca. Não se marca mais a ferro no próprio couro, mas na pele cibernética das redes sociais. Um clique e surge uma nova etiqueta, uma nova aliança, um relacionamento "sério" com alguém, noticiado globalmente a familiares, amigos, inimigos e desconhecidos. Outro clique e tchau amor da minha vida! Novo status: solteiro(a)! Uhuuu! Na pista de novo e pegando geral, passando o rodo! Após uma noite inesquecível, novo clique e... e depois e depois e depois, sempre mais do mesmo. A internet em nuvem chovendo na forma dos amores líquefeitos de Zygmunt Bauman.
Vivemos na sociedade do anel virtual, a internet é a nova senhora dos anéis (não resisto a esse trocadilhos infames). Mas é no mundo real que brilha ainda o ouro da tradicional e inigualável aliança de casamento. Status algum do mundo cibernético conseguirá superar a força de tal símbolo. As bem casadas mal coitadas do José Avelino Dias levantando xícaras e mostrando "distraidamente" o dedinho reluzente em grosso dourado, mortas de orgulhosas. Porque o prazer não é só de quem marca, mas também de quem é marcado.
Seja na realidade de nossas mãos calejadas, seja na fumaça etérea de nossas páginas virtuais, fato é que nem sempre tudo é para sempre. E, se o laço acaba, que se parta a aliança e fiquem cá os dedos. Porque, afinal, ninguém é de ferro!