sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Olhar


Aqueles olhos fugidios... tão fácil e tão difícil olhá-los.
Correm como crianças tímidas, voam como pássaros selvagens, fogem como o tempo.
Oferecem seu flanco, dão as costas, não se entregam.
O tímido olhar sobre o novo. O novo que, por ser novo, é tudo. É euforia, é alegria, é prazer, mas não é amor.
O sinal do amor está no olhar. Na capacidade de fixar o olhar no outro, sem o desejo de desviar, sem a necessidade da fuga. No desejo e na possibilidade de calmamente e pacientemente apreciar o olhar do outro, sem pressa, num diálogo lento, profundo, sereno e furiosamente silencioso.
Movimento apenas o suficiente para ir de um olho ao outro. Não há fuga nem para os lados, nem para dentro. Não há esquiva nem medo.
As pupilas dilatadas invadindo a íris, tomando conta, na expansão que visa captar tudo, cada cor e cada ponto do outro.
Olhar que olha, que lambe, que cheira, que fala, ouve e ama.
No rosto, apenas um sorriso sutil, velado... ou não, um sorriso escancarado, mas apenas um sorriso.
O silêncio deve ser mantido, pois os olhos pedem atenção e concentração. Nenhuma energia deve ser desperdiçada em qualquer outro sentido. Nenhuma perturbação é tolerada.
O olhar é o único leito por onde escoar.
Como o olhar do náufrago para a ilha no horizonte.
Como o olhar do crente aos céus.
Como o olhar da mãe para o bebê que dorme.
Como o olhar da criança para o brinquedo predileto.
Como o olhar do cão para o seu dono.
Como o olhar do filho para o pai que chega.
Como o olhar para alguém querido no leito de morte.
Como os olhares que substituem os corpos, no pesadelo refrigerado de Henry Miller.
Como o olhar de Maria de Magdala para Jesus, no evangelho segundo Saramago.
Como o olhar cinquentenario e incansável de Florentino Ariza para Fermina Daza.
O verdadeiro amor só se manifesta por esse meio.
Abraços, carícias, beijos, nada disso realmente importa. São acessórios, coadjuvantes de algo maior. Por si só não amam, e o amor independe deles.
Porém, não se prescinde do olhar.
Porque é o único caminho para o outro, a única porta de entrada, a única estrada, a ponte sobre o fosso, a passagem na muralha, a barca de Caronte, o único caminho possível, o leito natural do rio, a trajetória implacável do raio, o caminho suave e lento da gota de orvalho.
Porque o amor está no intangível, no inexplicável e no indescritível. Não se pode percebê-lo, não se pode tocá-lo, não se pode sentir seu gosto, não se pode cheirá-lo, apenas sentí-lo através do olhar.
A textura, a temperatura, o gosto, o cheiro, tudo isso que se toca, se lambe e se cheira é apenas corpo, pó em forma de vida. O contato com a alma é etéreo. A alma não se toca, nem sequer se vê ou se enxerga, apenas se olha.
E o olhar do amor são dois olhares. Não se olha sozinho. É preciso um olhar no olhar do outro. São duas janelas abertas para que corra o vento, para que se olhe através da carne e se perceba a essência e a verdade.
Se você consegue olhar assim, se você realmente se sente conectado assim, se o outro também o olha, e os olhos se perseguem e não se esquivam, e se um sorriso acompanha esse olhar, e se uma paz nesse momento desce como um manto e dá abrigo a esse olhar mútuo, recíproco, cúmplice, se tudo isso acontece assim, desse jeito, então aconteceu o amor.



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