segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Jornada mágica

O amanhecer preguiçoso, feliz, com o passado ali presente,
O jazz que anunciava o que vinha, um presságio,
Bukowski vestindo uma estante da cabeça aos pés,
A vida simples falando de coragem, de livros, de perdão e de alimento,
A música nas ruas,
As pessoas, vivas, nas ruas,
Todas as cores e credos nas ruas,
O festival de rock, tão cheio de diversidade,
O solo inesperado numa bateria no primeiro andar de um hospital em ruínas, e a gostosa sensação de tocar onde menos se espera,
O cachorro quente que foi um delicioso almoço,
O sol escaldante que atravessou obstáculos e me alcançou por uma fresta,
E eu rindo do desejo de alguém pela chuva,
Aqueles olhos da cor do céu e do mar, do horizonte, olhos em preto e branco iluminados pelo sol,
Aquela beleza ruiva que irradia e contamina tudo,
E tudo em volta então é belo, o belo e o feio.
O "eu te amo, estou com saudades" da filha amada,
O simples flanar na companhia certa,
A escada para o céu,
A lembrança da peça encenada entre os mortos na noite anterior, assistida entre vivos queridos de longas datas,
E sentindo-me tão vivo,
E a peça era sobre outra jornada, tão triste e ao mesmo tempo tão bela,
E o filme sensacional que me marcou para sempre,
A história da busca, das escolhas,
Assistido onde deveria mesmo ter sido, na rua da diversidade, da juventude, dos contrastes, dos estudantes, dos bêbados, dos loucos e de qualquer um e de todos, a velha Augusta,
O encontro com Saramago, Wilde, Gorki e Baudelaire nos sebos de calçada, e o convite aceito de que viessem na minha mala, junto com Kubrick.
Aquele cheiro inebriante sempre presente,
Aquele riso tímido sempre presente,
Aquele olhar furtivo sempre presente,
Um dia de música, de paz, de surpresas, de felicidade, de gozo.
Peace, love, joy, como aprendi em San Francisco.
A companhia perfeita, um espírito distante que se materializava tão real e presente,
Em paralelo, a leitura do pesadelo refrigerado de Henry Miller, transportando-me por outra estrada, por outra jornada,
E aqui um dia memorável, uma jornada inesquecível, une journée magique, nem Ulysses a teve, nem a de Harry Haller foi tão louca,
Um tal estado de elevação que nem o deserto de Rimbaud e nem a floresta de Sidartha ocasionariam,
Bukowski sairia daquela estante e o curtiria,
Kubrick sairia da mochila e o filmaria,
Baudelaire, extasiado, comporia versos,
Um dia que não terminou,
e nem nunca terminará,
Um passado que permanece e se estende ao futuro.
...
O tempo enlouquece.
A ampulheta cai e a areia, sem saber para que lado ir, não vai a lugar algum, baixa os olhos e se dá por vencida, talvez ela mesma cansada de tanto correr e escorrer.
Às vezes o tempo pára, na sua frente, te olha, sorrindo para você, te acaricia o rosto, te beija, te afaga e te diz: "não se preocupe... estou aqui... não vou embora... durma e sonhe!"


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