Quando morrem nossos avós, encontramos nas gavetas cartas de amor, fotografias, diários e outros vestígios da memória daqueles que se foram.
E quando NÓS morrermos? O que deixaremos em nossas gavetas? Temos gavetas?
Na era na computação em nuvem, nossa memória não vira matéria. Na mesinha de cabeceira virtual, tudo se perde junto com a senha de quem morre. Fotos, emails, posts, tudo é enterrado com seu dono, como jóias de faraós. Ao menos estas um dia são escavadas e expostas ao olhar a admiração de estranhos curiosos.
A gaveta virtual, porém, não deixa vestígios arqueológicos. Não há inscrições na parede da caverna. Não há chaves perdidas a serem encontradas. Não há albuns de fotografias amareladas a serem vasculhadas. Não há cartas de amor a serem violadas. Não há, por fim, histórias a serem reveladas.
A era da informação, do email, do post, é a era do efêmero, da morte sem vestígios, das lembranças "deletadas", das contas de email para sempre encerradas, do passado para sempre apagado.
O mundo virtual não deixa marcas. A eficiência da tecnologia, da redundância, do backup, da seguranca da informação, também é a eficiência do esquecimento, do apagamento, do encerramento.
Aperta-se um botão, clica-se num mouse, e milhares de cartas são rasgadas, milhares de fotos são incineradas sem deixar nem sinal de fumaça, num piscar de olhos.
Talvez nem isso. Talvez apenas um vírus, um HD que "deu pau", e plof! Adeus lembranças!
A humanidade constrói na nuvem um futuro sem passado, uma morte sem rastros.
Nossos netos não descobrirão lindas histórias de amor em gavetas trancadas e arrombadas. Não encontrarão fotos empoeiradas, nem guardanapos com beijos de baton, nem ingressos de cinema amarrotados, nem vestígios de perfume, nem flores secas em livros, e nem livros com dedicatórias.
Não quero que meu passado morra comigo. Tratarei de imortalizar minha história concretizando-a, materializando-a, dando-lhe corpo e forma, cor e cheiro. Imprimirei todas as minhas fotos, imprimirei todos os meus emails, posts, comentários, chats. Passarei tudo para o papel, papel que guardarei em gavetas, caixas de sapatos, armários com tamanho, cor e peso. E quero que tudo sobreviva à minha morte. Minhas filhas e netos não precisarão de senhas para ler-me, para ler meus amores, olhar o que vi e fotografei, sentir o que senti, cheirar o que cheirei, entender o que fui, perceber o que percebi, descobrir quem amei, lembrar quem eu fui.
Nessa vida o que passou, passou. Os amores acabados estão mesmo acabados. As histórias concluídas estão mesmo encerradas. Mas suas lembranças merecem ir além da nossa existência terrena. Devem transcender. Os romances podem e devem sobreviver para além de seus protagonistas.
Senão, nada faria sentido. Se um dia tudo acaba, que sentido teria um dia ter existido?
"Imprimirei todas as minhas fotos, imprimirei todos os meus emails, posts, comentários, chats. Passarei tudo para o papel, papel que guardarei em gavetas, caixas de sapatos, armários com tamanho, cor e peso. E quero que tudo sobreviva à minha morte. Minhas filhas e netos não precisarão de senhas para ler-me, para ler meus amores, olhar o que vi e fotografei, sentir o que senti, cheirar o que cheirei, entender o que fui, perceber o que percebi, descobrir quem amei, lembrar quem eu fui."
ResponderExcluirMe vejo aqui!