sexta-feira, 26 de abril de 2013

Filhos e poemas


Amor e dor são ingredientes presentes nas receitas de filhos e poemas. Para facilitar, vamos escrever uma só. Faça um deles, ou faça os dois ao mesmo tempo, a seu critério.

Comece pelo amor. Será preciso aqui um trabalho a quatro mãos, ou dois corações. Como toda receita complexa, comum em pratos sofisticados, sem um ajudante, ou melhor, um co-autor, ou melhor, um amante, sujam-se panelas e acessórios e termina-se pedindo uma pizza pelo telefone.
Junte os dois amores num recipiente. Pode ser um parque, uma praia, um avião, um banco de praça, seu trabalho ou mesmo um site de relacionamentos. O importante é que um mestre-cuca enxergue o outro e mais ninguém, independente do tamanho da cozinha e da população em volta. Essa receita, um não faz sozinho, e mais de dois entorna o caldo.
Em seguida jogue as sementes. Podem ser de girassol, de alecrim ou de dó-ré-si-bemol. No caldo do amor, aquecido em fogo brando ou alto, dependendo da pressa e da fome, as sementes germinarão. Um corpinho começará a crescer. Versos e estrofes tomarão forma. Um olhinho aqui, uma palavra acolá. Uma rima emparelhada, outra cruzada. Orelhinhas emparelhadas, perninhas cruzadas. Não dá ainda para ver o sexo.
Mexa sem parar, para não desandar. Se parar não dá liga, vai solar. Também não pare de temperar. Se parar, vai azedar, ou salgar. A massa cresce, o corpo cresce, o amor em forma de ser, ou de poema, intumesce e aparece. Já dá para ver o sexo. Pode ser menino ou menina. Podem ser gêmeos no ventre ou mesmo na poesia. Tanto num como noutro, vale menino com menina, menino com menino ou menina com menina.
O feto e o rascunho viram gente e poema. Corpo completo, cabeça, tronco e membros, dísticos, quartetos e sextilhas. Já não cabe mais na panela, e nem no ventre, e nem na mente. E vem a dor. Prepare-se, este é o passo fundamental, o toque de mestre, o tempero final.
As contrações nas entranhas, no alto e no baixo ventre. Algo dentro de nós cresceu demais e tem de sair. A dor do parto, a dor que expulsa o filho do útero materno, a dor que jorra pela ponta dos dedos no sangue que transcreve o poema em letras escarlate. A poesia que toma forma, a semente que vira gente. Já não cabe em mim e nem em ti. É preciso dá-la à luz, levá-la à mesa, com choro e riso, velas e um bom vinho.
E olhamos aquela coisinha inacreditável que saiu de nós. É a cara do pai! Não, é a cara mãe! Tem traços dos dois! Cada linha, cada pausa, cada rima, cada acento, cada erro, cada acerto. Nos vemos ali. É nosso amor que tomou forma, de criança, de prosa ou de verso.
Sirva enquanto quente, beije, abrace, cheire, leia, releia, aproveite. Depois o filho cresce, o poema envelhece. Os traços mudam, as traças traçam. A tinta desbota. Mas sempre serão nossos filhos, nossa obra-prima, tanto a criança, para sempre criança, como o poema, para sempre poesia.
Amor e dor aparecem nas receitas de filhos e poemas. O amor inspira, concebe e gera. O amor cresce dentro de nós até não caber mais. A dor expulsa e pare. É um parto natural. Depois amamos aquele ser, aquele poema que se escreveu. E ele é a cara do pai e da mãe, digo, do amor do qual nasceu.

4 comentários:

  1. Amei! Você escreve com bastante musicalidade, transforme o texto em poema que ficará lindo demais.

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  2. Parabéns Fred pelo lindo poema. :)

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  3. Muito legal. Sentimentos expostos com talento.

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  4. Sensacional! Sentimento vivo em cada palavra. Parabéns !!!

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